Segunda-Feira, 01 de Junho de 2020 @ 07:30

Especial | Rádio Globo São Paulo: morre um símbolo da comunicação popular

São Paulo - Fernando Morgado reconta os quase 70 anos de história da emissora do Sistema Globo de Rádio 

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Atualizado às 10h57 - Com o encerramento da operação em 94.1 FM feita pelo Sistema Globo de Rádio, ocorrida tempos depois do desligamento da 1100 AM, a Rádio Globo São Paulo morreu. E morreu, por ironia do destino, justamente no mês em que completou 68 anos no ar. A emissora contribuiu decisivamente para a construção de um estilo paulistano de se comunicar com as massas, ainda que pertencesse a um grupo empresarial genuinamente carioca.

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Em São Paulo, a Rádio Globo nasceu como Nacional, mesmo nome da emissora estatal sediada no Rio de Janeiro. Não se tratava de mera coincidência: Victor Costa, fundador da Nacional paulistana, dirigiu a Nacional carioca durante anos e quis aproveitar a força que essa marca tinha no imaginário dos ouvintes.

A Rádio Nacional de São Paulo foi inaugurada no Dia do Trabalho de 1952. O Correio Paulistano definiu o programa de estreia, que durou quatro horas e quinze minutos, como "grandioso" e "magnífico em todos os sentidos". As principais atrações foram Carlos Galhardo, Francisco Alves e Hebe Camargo, que gravou a primeira vinheta cantada da emissora, composta por Antônio Maria.

Dia primeiro de maio
Radio Nacional de São Paulo
Paulista de longe ou de perto
Notícia sensacional!
No dia primeiro de maio,
Rádio Nacional de São Paulo

Mas o show inaugural da Nacional não mereceu apenas elogios. O Correio Paulistano também registrou que "os números humorísticos, principalmente de Chocolate e do 'Balança mas não cai', constituíram um verdadeiro desrespeito à presença do governador [Lucas Nogueira Garcez]". E foi além: "Se os pseudo humoristas não chegaram ao exagero de certos artistas, deram motivos a reverberação pelas anedotas e piadas com muito 'sal', imorais na expressão da palavra".

A Nacional estava predestinada a ser popular. Um dos seus primeiros programas foi o "Alvorada cabocla", com Nhô Zé. A atração, como tantas outras que dominaram as manhãs do rádio paulistano, falava para quem vivia na cidade grande, mas não abandonava as raízes interioranas. "É hora de levantá, carçá os butinão no pé, pertá as gravata no pescoço, bebê o cafezinho reforçado com broa de milho e saí pro serviço que é pra modi trabaiá bastante pra grandeza do Brasil! [sic]", dizia o apresentador, com seu sotaque característico. Quem também fez sucesso nessa época foi Pedro Geraldo Costa, que comandou durante mais de duas décadas o religioso "Meditação".

Mas o principal nome dos primeiros anos da Nacional foi, sem dúvida, Manoel de Nóbrega. Seu programa de auditório ia ao ar diariamente às 12h e era líder de audiência. Manoel revelou talentos como seu filho Carlos Alberto de Nóbrega, Canarinho, Moacyr Franco, Ronald Golias, Zilda Cardoso e Silvio Santos, que era locutor comercial. Foi na Nacional onde Silvio alcançou a fama e apresentou várias atrações, como "Ronda dos bairros", que levava o elenco da emissora para cinemas, praças e ruas de São Paulo.

Aliás, uma das maiores curiosidades da emissora tem a ver com Silvio Santos. Quem trabalhou nos últimos anos do Sistema Globo de Rádio na rua das Palmeiras, 315, onde antes ficavam os estúdios da Nacional, teve contato com uma saída de emergência que não dava a lugar algum. Ela ficava no segundo andar, na redação de jornalismo e esporte. Os mais antigos garantem: aquela era uma passagem secreta que Silvio usava para acessar um prédio lateral e, assim, escapar das fãs que se acotovelavam na rua à espera dele. Depois que Silvio Santos saiu da Nacional, no fim dos anos 1970, a tal passagem foi fechada. A porta, porém, continuou e até ganhou uma mão de tinta vermelha.

E por falar em Globo, ela entrou na história da Nacional de São Paulo em meados dos anos 1960, quando Roberto Marinho comprou as emissoras que pertenceram à Victor Costa. No fim daquela década, a Nacional passou a adotar o mesmo estilo de programação da Globo carioca, baseado no tripé música, esporte e notícia. Orquestras ao vivo foram substituídas por músicas gravadas. Pomposos jornais falados deram lugar à prestação de serviço e às jornadas esportivas. Animadores de auditório foram trocados por disc-jóqueis e, mais tarde, pelos chamados comunicadores. Surgiu uma infinidade deles: Afanásio Jazadji, Carlos Aguiar, Eli Corrêa, Gilberto Barros, Gil Gomes, Paulo Barboza, Paulo Lopes, entre outros.

Na segunda metade dos anos 1970, a Nacional trocou de nome. A transição foi paulatina: primeiro, Nacional-Globo; depois, Globo-Nacional; por fim, apenas Globo. Para marcar a mudança, foi contratado Osmar Santos, cujo estilo revolucionou a locução esportiva. Seus bordões são lembrados até hoje pelos torcedores: "Ripa na chulipa, pimba na gorduchinha"; "Eu vou com você nessa, garotão!"; "Tiro-lirolá, tiro-lirolí"; "Vai fundo, meu filho!"; "Uma jogada du-du-du-du-du peru!"; "Tá com tudo, garoto! Chuteira, meia, camisa. Conversa com a menina, vê se ela deita na rede"; "É fogo no boné do guarda"; "E que gooooooooooooooooooool!". Há vários anos, Oscar Ulisses ocupa o lugar que Osmar Santos, seu irmão, deixou no esporte do Sistema Globo de Rádio em São Paulo, que também contou com vozes como as de Cléber Machado, Fausto Silva, Juarez Soares, Luís Roberto e Osvaldo Pascoal.

No início dos anos 2000, em busca de melhores resultados financeiros, as rádios Globo do Rio de Janeiro, de Belo Horizonte e de São Paulo formaram uma rede, a Globo Brasil. Apesar da menor produção local, a Globo permaneceu na liderança geral do AM paulistano. Eram tempos do fenômeno padre Marcelo Rossi. Seu "Momento de fé" alcançou volumes de audiência dignos de TV aberta.

Em 2017, sob a direção de Julio Cesar Gomes Pedro, ex- Senac, a Rádio Globo foi inteiramente refeita. Apesar da pretensão de se atrair ouvintes das classes A e B, artistas foram recrutados justamente no veículo preferido pela classe C: a TV Globo. A maioria dessas figuras tinha pouca ou nenhuma experiência em rádio. Novos estúdios foram construídos, dezenas de empregados foram demitidos e os resultados esperados não foram alcançados. Agora, sob nova gestão, a Rádio Globo retorna às origens, tocando música popular, transmitindo futebol e priorizando a audiência do Rio de Janeiro.

Quando se busca definir o meio rádio, a palavra amizade é recorrente. Não por acaso, a Rádio Globo adotou por vários anos o slogan "Bota amizade nisso!". Essa frase, cunhada pelo designer André Stolarski (1970-2013), pelo publicitário Luiz Vieira e por mim, resume a intensa relação estabelecida entre a emissora e seus ouvintes. E essa relação resistirá ao tempo, pois, mesmo não estando mais no ar, a Rádio Globo São Paulo permanecerá viva na memória do povo e nas páginas da história da comunicação do Brasil.

Por Fernando Morgado 

Nota da redação: 94.1 FM após a saída da Rádio Globo

O Mapa da Atualização do tudoradio.com registrou a saída da Rádio Globo do canal. A partir da meia-noite de hoje (1º) a 94.1 FM assumiu uma grade temporária de programação musical de formato popular/hits, sem nome fantasia definido. Essa mesma prática já foi executada pela 94.1 FM entre a saída da Bradesco Esportes FM e a chegada da Rádio Globo na frequência, em 2017.

Até o momento não há definição de projeto para o canal. O tudoradio.com seguirá acompanhando.


Último logotipo utilizado pela Rádio Globo São Paulo

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Fernando Morgado Consultor e palestrante de marketing e inteligência de mercado. Já atuou para marcas como Band, SBT e Shoptime. Professor da ESPM. No Grupo Globo, trabalhou na área de inteligência de mercado e no planejamento estratégico das rádios. Possui livros publicados no Brasil e no exterior, incluindo o best-seller Silvio Santos – A Trajetória do Mito. Foi coordenador adjunto do Núcleo de Estudos de Rádio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre em Gestão da Economia Criativa e especialista em Gestão Empresarial e Marketing pela ESPM. https://instagram.com/morgadofernando_
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