Locutor é uma profissão em extinção. Estamos nos aproximando de um tempo onde aquele sujeito com voz grave, ...
Locutor é uma profissão em extinção. Estamos nos aproximando de um tempo onde aquele sujeito com voz grave, aveludada, com dicção claríssima e pausada está escasseando no mercado. Para quem acha que estou exagerando, basta uma rápida observação. Já ouviu algum comercial dos anos 50? Ouça, no youtube deve ter. Repare na dicção perfeita, Rs e Ls perfeitamente articulados, tom formal, quase sisudo. Indo um pouco adiante, verifique que entre os anos 70 e 80, já não se valorizava tanto determinadas pronuncias de palavras, mas é fato: a credibilidade do "Off" ainda estava relacionada com o grave da voz. No rádio não era muito diferente. Para ser locutor era preciso "ter voz de locutor". O cara ia ao banco e a moça do caixa perguntava "por acaso você é locutor de rádio?". Fingindo desinteresse o colega dava um sorrisinho e com ar maroto pigarreava para em seguida perguntar "Como percebeu, querida" concluindo com um "Vou lhe mandar um beijo pela rádio". Lembro de uma vez que fui trabalhar em uma rádio com aquelas vinhetas antigas, locutor de voz grave falando o nome da emissora.
Quando propus mudar para algo mais adequado ao público (era uma rádio jovem), ouvi do dono "Não pode. Essa voz nos da credibilidade". Foi difícil convence-lo, mas no fim provei que credibilidade não está necessariamente na voz grave, mas no conteúdo e seriedade que se conduz a programação. Repare que de algum tempo para cá isso está mudando. Olha só os spots de TV. Repare na quantidade de atores, jornalistas ou até locutores com "voz de gente normal". Ainda existem os "trovões" da vida, claro, eles ainda cumprem determinado papel, mas se prestar atenção verá que eles fazem parte da minoria e entenderá o que quero dizer. Isso começou a ficar claro no telejornalismo especialmente quando os locutores começaram a ser substituídos pelos âncoras.
Quando afirmo que locutor é uma profissão em extinção, não estou dizendo que não haverá mais locução, mas sim que ela será feita por profissionais com outro perfil. Seja no rádio ou nas campanhas publicitárias, a busca por profissional que seja bom na interpretação é cada vez maior. Acredito que essa mudança tem uma explicação. Em tempos de superexposição a informação nos tornamos cada vez mais críticos. O olhar critico não deixa de ser um mecanismo do cérebro para selecionar o que presta e deletar o que não acrescenta. Quase uma seleção natural audiovisual. De outra maneira seria impossível acumular o infindável numero de informações e estímulos visuais e sonoros que recebemos por hora. O aguçar da visão critica nos torna naturalmente mais seletivos especialmente ao que não parece ser verdadeiro.
Funciona assim: diante de tanta informação, aquela que tiver uma "estética" desconectada da realidade, tende a ser deletada. Essa percepção muda regras básicas em todas as áreas da comunicação. No cinema, por exemplo, repare que os planos fixos, tomadas longas, estáticas dos filmes mais antigos, tem cedido espaço ao estilo documentário, com câmeras tremendo, desfocando em alguns momentos, quase como se fosse um cinegrafista amador, dando mais veracidade a cena. No caso dos locutores, para que se conquiste credibilidade, é cada vez mais necessário que pelo menos pareça de verdade. Quanto mais próximo, quanto mais real, melhor. Aquele sujeito falando grave, articulação meticulosamente cuidada, formal, aos poucos esta se limitando aos locutores de supermercado e porta de loja. "Alo dona de casa, hoje a salsicha está em oferrrta hein, muito bem, muito bem, oferrrta da salsicha por apenas 2,50, é isso aíããã." Ainda é possível ouvir o som que invade as gôndolas e cativa as senhorinhas que param ao lado do sujeito baixinho de gravata e crachá andando com o microfone em punho "Que voz linda você tem rapaz, nem parece que sai de alguém tão baixinho. Que altura você tem?". Sem graça e carregando no grave ele dá um sorrisinho sem graça e manda um beijo para a "vovó". Falar direito é importante, dicção, português correto, tudo isso é fundamental, mas quanto mais próximo de quem recebe a informação melhor. Veracidade! Ainda que apenas aparente.
Quem resiste a isso está ficando para trás e se aproximado do estereotipo daquele locutor dez reais que falamos algumas colunas atrás. Parece que a convergência das mídias tem tornado o espectador/ouvinte mais seletivo e, se você quiser conquistar espaço no mercado, reflita até que ponto seu trabalho está conectado com essa nova realidade.
Locutor como conhecemos antes, aquele sujeito que fala diferente de todo mundo, está virando profissão em extinção. Ainda que apareçam aqui e ali e ainda cumprem seu papel no mercado, até aqueles "vozeirões" de plantão sabem que não basta falar grosso. Para se manter atualizado é preciso parecer real, falar a língua do seu publico (ou produto) e se aproximar de uma realidade que vasa em todas as áreas da comunicação. Caso contrário seremos lembrados junto com os dinossauros: um dia existiram e dominaram o planeta, mas depois tudo mudou e viraremos peças de museu, vivos apenas no YouTube ou na memória da velinha do supermercado que se derrete por locutores dez reais.
Em tempo: Estou escrevendo um livro sobre rádio. A idéia é contribuir com o mercado de um jeito diferente, mesclando minha experiência de 20 anos em São Paulo, Porto Alegre e Brasília com dicas e comentários úteis, não só para quem está começando, assim como quem está na área. Tem alguma sugestão de tema ou assunto a ser abordado? Me escreva:
[email protected]. Na próxima coluna trarei mais detalhes sobre esse projeto.
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Rádio, locutor