Riveglini está de volta ao Tudo Rádio e sua nova coluna fala sobre "rádios e aviões". Boa leitura!
Sou fascinado por aviões e por rádio, o que sempre me levou a fazer analogias entre os veículos. A mais óbvia, claro, é que ambos operam "no ar". Nos dois casos, uma série complexa de operações vai se afunilando até terminar na cabine da aeronave ou no estúdio da emissora. Em seu trabalho, pilotos e locutores estão ligados às vidas de muitas pessoas. Uma enorme responsabilidade.
Da mesma forma como os aviões, o rádio foi profundamente alterado pelos computadores. Comparar um estúdio dos anos 1970 com um atual é como olhar as cabines de um Lockheed Electra da Varig e de um Airbus A-320 da TAM. Mais do que modelos separados por décadas, são conceitos diferentes. Hoje, tanto nas rádios quanto nas aeronaves, as operações são quase totalmente automatizadas. O piloto ou o locutor apenas programa os computadores, que executam a maior parte do trabalho.
Não cultivo aquele saudosismo que considera boas apenas as coisas do passado, embora, particularmente, eu prefira uma mesa de som "boca-de-fogão" e um Electra, muito mais charmosos, aos seus congêneres atuais. Nostalgia à parte, penso que é importante saber como as coisas eram feitas em outras épocas, para compreender que a tecnologia deve servir para facilitar nosso trabalho, não para fazê-lo em nosso lugar. Se você é locutor(a), experimente gravar um comercial de 30 segundos sem errar. Lembre-se: não haverá emendas nem recursos para processar, aumentar ou diminuir o áudio. Mal comparando, é como pousar um avião sem instrumentos para fazer os cálculos de distância, potência e altitude. Nos dois casos, o tempo e a velocidade estarão na sua cabeça, não no computador.
Viajando nessas idéias, recentemente eu voltei para uma rádio em que trabalhei pela primeira vez em 1985, como locutor. Nesta minha quinta vez na Transamérica, agora como consultor artístico, experimentei uma sensação curiosa ao entrar no estúdio principal. Imediatamente comparei o ambiente com a imagem dos equipamentos analógicos de alguns anos atrás. Hoje as operações são programadas em CPUs que ocupam pouco espaço. Os estúdios são quase salas de visita. Antes, eram projetados para comportar máquinas, e em meio a elas instalavam-se os humanos, cercados de cartucheiras ITC, gravadores Revox, ponteiros de VU na mesa Collins (por acaso fabricante também de equipamentos de aviação).
Sem querer parecer piegas, preciso confessar que me emocionei ao revisitar instalações e pessoas tão ligadas a minha trajetória profissional e pessoal. Me vi novamente apresentando o Transalouca, lendo as respostas dos ouvintes e disparando os efeitos sonoros nos cartuchos. Relembrei as festas para comemorar as subidas de audiência da rádio, inclusive as duas vezes em que ela foi primeiro lugar absoluto no Ibope. Recordei a construção da torre que deu à Transamérica a maior potência irradiada em FM no mundo. E pensei em quantas pessoas foram de algum modo tocadas por músicas, programas, frases e acontecimentos produzidos debaixo daquela estrutura metálica de 180 metros de altura. Alguns desses momentos me marcaram para sempre.
Encerrei minha volta ao passado com uma visita obrigatória a alguém conhecido por todos que já trabalharam no complexo da Lapa. Passei pela sala da técnica para um café com Sami Farid Younes. Desde meus primeiros tempos ali, me acostumei a longas conversas com esse amigo, especialmente depois de descobrir nosso interesse comum por aviões. Antes do rádio, ele trabalhava, adivinhem? Na manutenção das aeronaves da Swissair, em Beirute, Líbano. Aliás, eis mais uma semelhança entre rádios e aviões. Dezenas de profissionais estão sempre trabalhando sem que você os veja ou ouça, para que pilotos e locutores continuem "no ar", dizendo: "Senhoras e Senhores ouvintes...apertem os cintos".
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Sobre rádios e aviões