Desabafo de Flávio Siqueira sobre o meio e um levantamento sobre sua carreira e o rádio
Meu filho e seus amigos, todos na faixa dos oito, nove anos, me acham velho. "Imagina só, pai !" Ele diz. "Você nasceu em 1974. Mil e novecentos, não era nem dois mil. Não tinha notebook, dvd, celular e, pelo que você diz, video game era um risquinho e uns quadradinhos dançando na tela ainda em preto e branco. Você é muito velho !" Ele completa.
Dou uma risadinha típica de quem não tem argumentos e fico quieto. Para ele, meus 37 anos equivalem a ter sido anfitrião de Pedro Álvares Cabral, quem sabe índio na Ilha de Vera Cruz, acenando sem roupa para navios sobre o Monte Pascal.
Outro dia minha esposa, que é quase quatro anos mais nova do que eu, falando sobre meu jeito de vestir, disse que sou um "velhinho com estilo", que ainda gosta de camiseta com capuz, bermudas e pasme: se recusa a usar boinas !
Tudo bem, sei que nem sou tão velho assim e reconheço que tudo depende da perspectiva de quem vê, especialmente a idade de quem vê. Se você tiver menos idade do que eu pode até concordar que sou velho, mas se for mais velho, dirá irritado que estou exagerando, que sou apenas um menino com complexo de Benjamin Button.
Brincadeiras a parte confesso que me espanto quando olho para trás e contabilizo 21 anos de profissão. Comecei no rádio aos dezesseis anos pensando que seria apenas naquela rádio e depois veio outra, outra, outra e virou profissão. Aos dezenove, em 1994, já estava na Jovem Pan 2 em São Paulo, primeiro lugar geral no IBOPE, inicio das transmissões via satélite, no tempo em que os breaks ainda eram disparados em cartuchos. Ainda lembro com clareza da minha estréia e aquela maravilhosa trilha dos Clássicos da Pan com seus "tchu tchu tchu tchu Pan..." soando em um Sony 7506 em volume tão alto que sempre deixava a Tina Roma assustada.
Depois a inesquecível Transamérica quando ainda estava no bolo das mais ouvidas, o começo da Metropolitana e o entusiasmo do Jayr Sanzone em fazer uma rádio bem feita, regulando pessoalmente o novíssimo Orban até o meio da madrugada, acreditando praticamente sozinho que a rádio chegaria onde chegou.
Entre idas e vindas pela Pan, Transamérica e Metropolitana ainda teve a Energia 97 e a Nova Brasil que naquele tempo me deram muito prazer em trabalhar, a experiência de comandar uma rádio em um mercado fora de São Paulo, na Clip, entusiasmado pelo batalhador Ivo Rocha e seu filho Rodrigo. Foram ainda muitas rádios como a Band FM e a passagem por todas as emissoras do grupo como a SulAmerica trânsito, experiência tão marcante que me rendeu o primeiro livro.
Mas depois precisava de outros ares, tudo tinha virado rotina, não tinha mais desafios e me mudei para Porto Alegre. A felicíssima experiência na Rede Pampa continua até hoje, me rendendo, além do hábito de acordar diariamente às 5h30 da manhã para gravar as manchetes do jornal "O SUL", uma amizade tão especial com o Rafael, o Geraldo e tanta gente do bem que trabalha comigo. Mas não era suficiente, precisava de mais e aceitei o convite para vir à Brasília, mercado novo, Capital do país, potencial incrível. Deu certo o tempo que tinha que dar, foi válido e sou grato por aqueles que me receberam por aqui, anda que tenhamos concepções diferentes de ver o rádio, a vida e a profissão. Foi graças a isso que finalmente cheguei no momento em que vivo hoje. Escritor com boa vendagem, indo para o terceiro livro (segundo de ficção) gerador de conteúdo ligados a TV, gravando em casa, viajando muito e aprendendo demais.
Depois de 21 anos, pela primeira vez em minha vida meu sustento não vem mais do rádio e confesso que não estou achando ruim. Hoje vivo do que penso, produzo, acredito e olha que nunca ganhei tão bem. Acontece que essa nova caminhada modificou meu eixo, inclusive profissional, de modo que faz algum tempo - especialmente desde que terminei de produzir a serie "vídeo papo de rádio" , história que vale um capítulo a parte - estranhamente sinto que não tenho mais muita coisa a contribuir para o meio.
Dizer o que ? Que o rádio deve ser amigo da internet? Que os comunicadores precisam se reciclar e melhorar culturalmente? Que estamos perdendo mercado - e profissionais - pela cabeça dura de uns e outros que só vêm o rádio como veiculo de jabá? Que somos desunidos e muitas vezes burros, sem criatividade, sem que cheguemos perto de explorar o potencial de comunicação que o rádio tem? Eu já disse tudo isso e muito mais e hoje quando penso no rádio, quase sinto que cumpri minha missão, pelo menos no que diz respeito a "exortar" e fazer previsões de mercado.
Quando o Daniel aqui do Tudo Rádio me pediu mais uma coluna, fiquei em dúvidas se de fato deveria escrevê-la. Sou um cara apaixonado por tudo o que faz, especialmente que coloca o coração , seja na profissão, na vida ou em uma coluna. Escrevo por acreditar que o que digo pode ser verdadeiramente relevante, não para meia dúzia que lêem em seus estúdios de rádio e no fim dizem "é isso aí!" mas na prática não traduz em ganho, em movimento de reciclagem que desemboca em metanóis, mudança de mente, postura, ares e tudo mais. Para mim só vale escrever, seja uma coluna ou um livro, se de fato for relevante para alguém. Talvez eu não diga da forma certa, talvez não seja bem assim, talvez de fato eu seja um velho saudosista, um hippie do rádio, apaixonado, que ainda acha que pode mudar as coisas através da "conscientização". Diante disso abro meu coração e confesso que não sei se haverá próxima coluna, se de fato já cumpri meu papel ou se é só uma fase que precede um novo "start" uma mudança de olhar necessária para entrar em outra página conteúdos novos, opiniões recicladas por novas perspectivas como as que felizmente vivo hoje.
Sinto que o teto no rádio ficou muito baixo e as pessoas - felizmente ainda há exceções - se curvaram e se acomodaram, focando suas preocupações apenas do tipo de microfone que usam no home estúdio, se o off pode custar dois ou dez reais, se alguém quer fazer troca troca de vozes, no preset do Sound Forge, se o mercado de São Paulo é legal e coisas tão importantes quanto uma receita de bolo no lugar do mapa para quem está perdido na estrada. Diante disso, resolvi deixar de bater minha cabeça no teto e , ao invés de criticá-lo, ampliá-lo, indo para outro ambiente onde posso crescer sem que as pessoas a volta se sintam inseguras e ameaçadas.
Estou feliz com meu presente e confesso que não sei se ainda posso ser presente para o rádio nesse caminho que ele escolheu.
Por favor, não interprete meu tom como pessimista, muito pelo contrário, aqui fala alguém que tem fé no que podemos ser, que acredita no potencial de todo ser humano e por ser assim, hoje repensa até que ponto dar murro em ponta de faca é um hábito saudável. Coisa de velhinhos de bermuda e capuz que se recusam a se acomodar nas incômodas boinas que alguns fazem questão de nos dar.
Um dia a gente entenderá.
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