Sexta-Feira, 21 de Agosto de 2015 @
O "Diz Aí" traz mais um texto de um professor universitário sobre a ida da Rádio Farroupilha para o FM.
O Tudo Rádio publica hoje mais uma coluna que abre espaços para profissionais do rádio exporem textos que contribuam com o meio, independente da linha editorial abordada. Os materiais que forem enviados ao portal passarão por análise, não sendo obrigatória por parte do portal a publicação dos textos (e também sem prazos definidos). A idéia é boa? Favorece o meio? Ajuda os profissionais? Vamos publicar conforme a agenda da redação do portal.
Hoje vamos com a contribuição de Luiz Artur Ferraretto, professor do curso de Comunicação Social – Jornalismo e do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Informação da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. Boa leitura!
Farroupilha em FM: uma confirmação e muitas possibilidades
Obviamente que tudo a seguir são conjecturas, observações de um apaixonado em rádio feitas em cima do lance, no calor dos acontecimentos. Creio que, de fato, toda mudança é boa. Isto não significa dizer que toda mudança é 100% correta e isenta de riscos ou de insucesso. Ao agitar o mercado do Rio Grande do Sul com a extinção, pelo menos neste momento, da marca Cidade devido ao espelhamento das irradiações da Farroupilha em frequência modulada, o Grupo RBS pode assinalar caminhos, a médio prazo, para outros conglomerados de comunicação brasileiros. Em realidade, sabe-se que está seguindo o já feito por empresas como os Diários Associados e o Sistema Globo de Rádio, respectivamente com emissoras como as cariocas Super Rádio Tupi e Globo, ambas de perfil semelhante ao da Farroupilha. A própria RBS já havia tomado atitude semelhante em relação à Gaúcha, hoje uma das mais bem sucedidas emissoras talk dedicadas ao jornalismo no país. O que diferencia, então, a decisão noticiada em primeira mão pelo Tudo Rádio no dia 7 de julho de 2015, e, em seguida, confirmada pela RBS, enquanto os comunicadores da Cidade despediam-se dos ouvintes no microfone da emissora e nas redes sociais?
No mercado de Porto Alegre, a comparação óbvia do impacto da extinção da Cidade ocorre em relação à idêntica e recente atitude do Grupo Bandeirantes de Comunicação ao transformar a Ipanema FM em um mero canal de áudio musical com transmissão on-line. Como agora, houve comoção dos ouvintes, mas, em certa medid, manteve-se a tradicional marca de rádio musical jovem associada a bom grau de contestação por nunca ter se rendido ao Top 40. O nível de desgaste da própria Ipanema era significativo e, em grande parte, provocado pela histórica falta de investimento da Bandeirantes nesta emissora, talvez a mais porto-alegrense de todas e cujo papel muitos reduzem à divulgação do rock. A Ipanema, embora com bons resultados comerciais em muitos períodos de sua história, era considerada alternativa em demasia inclusive dentro do grupo do qual faz parte. Em realidade, vendo o mundo de suas salas no bairro Morumbi em São Paulo, os gestores da Bandeirantes, não raro, deram a impressão de que a Ipanema não incomodava apenas A concorrência.
A Cidade, ao contrário, foi a emissora que o Grupo RBS não conseguiu dobrar. Em 1990, mais ou menos na linha do “se você não consegue vencer alguém, una-se a ele” – no caso, compre a concorrente –, os Sirotsky adquiriram a rádio junto à família Nascimento Britto. A marca Cidade, no entanto, tinha tanta força que foi necessário reposicioná-la, buscando um segmento jovem mais das classes B e C do que o visado pela Atlântida FM, a rádio da RBS até então quase sempre batida pela estação recém-agregada ao grupo.
Nos últimos tempos, no entanto, a situação configurava-se de modo desfavorável para a Cidade na disputa com duas outras estações focadas no segmento jovem popular: a 104 FM, constantemente líder de audiência em frequência modulada, e a Eldorado FM, não raro a segunda no ranking. O fim da Cidade, portanto, inclui também certa dose de capitulação do Grupo RBS em relação à Rede Pampa, proprietária justamente destas estações e que tem no seu comando um dos pioneiros do rádio popular e da segmentação no Rio Grande do Sul, o empresário Otávio Dumit Gadret. Ambas disputam com formatos de programação diferentes quase o mesmo segmento da Cidade e da Farroupilha. A mudança, como se diz, pode ser uma forma de comer o mingau pelas beiradas. Pode ser também uma jogada arriscada ao liberar no mercado comunicadores como Adriano Moraes, Arlindo Sassi e Mauri Grando, este último o gestor responsável pelo reposicionamento mais popular da Cidade em 1995, quando se transferiu da Universal, da família Gadret, para a RBS. Aliás, o retorno da Universal, rádio há mais tempo fora do dial local, mas também pranteada pelos saudosistas, poderia ser uma cartada do sempre surpreendente Otávio Gadret, criador da Grenal, a grande novidade em termos de formato de programação dos últimos anos em Porto Alegre.
No terreno das possibilidades, a ida da Farroupilha para o FM talvez venha a se transformar no principal marco do rádio este ano no Rio Grande do Sul. A emissora tem entre seus comunicadores dois dos mais populares radialistas do estado, Sergio Zambiasi e Gugu Streit, e sempre foi apontada como a responsável pela Região Metropolitana de Porto Alegre concentrar há décadas a maior quantidade de ouvintes de amplitude modulada entre as praças pesquisadas pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística. É possível até que roube público de outras estações talk, mesmo que dedicadas ao jornalismo. Afinal, ouvintes potencialmente da Farroupilha podem ter deixado de escutar a emissora, optando por uma das várias ofertas de rádios faladas existentes em FM. E obviamente vai atingir estações como a 104 e a Eldorado. Devido às possibilidades de concorrência a ser oferecida pela Farroupilha em relação a estas rádios da Rede Pampa, é que parece não ter lógica a dispensa de profissionais conhecidos ligados à Cidade. Um exemplo apenas: Arlindo Sassi, comunicador do programa romântico Love Songs, cairia como uma luva em uma programação renovada da Farroupilha para a sonoridade dos anos 2010. Poderia, inclusive, reforçar a oferta de conteúdo da emissora nos finais de semana, período em que rádios populares, sem o recurso das irradiações esportivas, registram natural queda de audiência. Por sinal, Sassi já trabalhou, inclusive, na própria Farroupilha.
Particularmente, acho a sonoridade da Farroupilha algo datada. Aliás, este tem sido um erro de outras estações ao espelharem a sua programação em frequência modulada. A RBS, no entanto, tem boa experiência neste sentido. Quando a Gaúcha passou a ter seu sinal também em FM, houve todo um cuidado para que o novo momento se fizesse acompanhar de uma plástica mais moderna. Ser, aliás, coerente com o seu tempo fez com que o grupo dos Sirotsky soubesse usar extremamente bem as redes sociais para a sua emissora dedicada ao jornalismo. Tudo indica que este cuidado será repetido com a Farroupilha.
Como disse, tudo são conjecturas. No momento, o mercado do Rio Grande do Sul vive um clima de expectativa em relação aos próximos passos do Grupo RBS. Na observação atenta do adversário de respeito – a Farroupilha – a invadir terreno antes quase exclusivamente seu, a Rede Pampa vai aguardar na defesa. Ninguém se surpreenda, entretanto, se o matreiro Gadret tiver lá alguns ases na manga. Quem sabe traga, como já fez há alguns anos, para o FM a Caiçara, emissora popular há mais tempo em atividade na Grande Porto Alegre. Lembram? Segue em AM e, que ninguém se engane, com uma equipe afiada. Nela, como o seu slogan de rima simples indica, “a música não para”. A Caiçara, no entanto, também fala – e muito – com os seus ouvintes.
Por Luiz Artur Ferraretto
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