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Terça-Feira, 05 de Fevereiro de 2019 @

Mercado em acomodação: como as emissoras lutam por espaço

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Não se trata de um processo concorrencial explícito. Pelo contrário, dentro do mesmo segmento de negócio e de público, tem-se uma espécie de fuga do enfrentamento direto, concretizada por estações de rádio e de televisão que aceitam uma certa distância do protagonista principal em seu mercado específico. Sem chegarem a ser totalmente coadjuvantes, uma ou mais emissoras acabam por sobreviver – e bem – nas frestas deixadas pela líder. Buscam, para tanto, certo nível de diferenciação em termos de segmentação. De fato, não partem, a todo momento, para a disputa, mas atuam como em uma guerrilha. Fustigam, obtêm o que pretendem e recuam. Chegam a provocar alterações no comportamento do principal protagonista sem que possuam recursos humanos e materiais suficientes para assumirem o controle do mercado. Daí o uso da expressão "em acomodação" para descrever este cenário, identificado e analisado em um artigo publicado na mais recente edição da revista "Comunicação & Sociedade" (v. 40, n. 2, clique aqui para ler na íntegra). Ele toma como base o contexto do segmento de radiojornalismo na Grande Porto Alegre e da TV aberta nos 15 principais mercados do país ao longo da década de 2010.

Um dos responsáveis por esse fenômeno da acomodação é a conglomerização que marca o mercado audiovisual brasileiro há, no mínimo, quarenta anos. O início de tal processo coincide com a ascensão da Rede Globo de Televisão, com sede no Rio de Janeiro, ao posto de principal veículo de comunicação de massa do país, com óbvias repercussões no conjunto de empreendimentos em mídia de seus proprietários, integrantes da família Marinho. De forma semelhante, a sua afiliada em Porto Alegre, então conhecida como TV Gaúcha, depois renomeada para RBS TV, ganha protagonismo, ao longo dos anos 1970, e catapulta a maioria das operações de mídia dos Sirotsky à liderança. Respectivamente, este processo não impede que, em paralelo, grupos como a Rede Record, de Edir Macedo, e o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), de Silvio Santos, em âmbito nacional, e a Rede Pampa, de Otávio Dumit Gadret, no Rio Grande do Sul, destaquem-se, mesmo que atuando em um segundo plano.

Ainda que algumas empresas já tenham utilizado a colocação que ocupam no mercado como parte do seu discurso de comunicação – caso do SBT e seu antigo slogan “Liderança absoluta do segundo lugar”, criado por Washington Olivetto –, tal posição no ranking é mais consequência de uma série de decisões estratégicas do que um atributo em si. Esse fato, no entanto, comprova que a acomodação é um fenômeno tão real que chega a ser usado como trunfo em uma batalha mercadológica já dada como perdida. Neste caso, o SBT tentou transformar algo aparentemente ruim em meio de angariar a simpatia do público e, assim, gerar capital afetivo que se transformasse em diferencial e lhe garantisse uma posição melhor na mente da audiência.

Nas situações analisadas ao longo do artigo, os dados existentes indicam que a Rádio Gaúcha, no segmento de jornalismo na Grande Porto Alegre, e a Rede Globo de Televisão, nos 15 principais mercados do país, construíram significativas barreiras à entrada da concorrência. Ambas reúnem os melhores recursos humanos e tecnológicos, o que acaba se refletindo na audiência e no investimento publicitário obtidos, formando um ciclo que se retroalimenta. Para um posicionamento mais eficiente em relação a estas protagonistas, suas concorrentes de maior destaque precisaram desenvolver estratégias marcadas por certa diferenciação. A clonagem de programação, caso da Record em dado momento, não chega a ter um efeito permanente, como se o público percebesse que, entre dois conteúdos semelhantes, é melhor continuar a optar pela emissora que há décadas detém profissionais e tecnologia mais relevantes.

O controle dos mercados em que Gaúcha e Globo originalmente atuam – rádio e TV aberta, respectivamente – também se estende para outras plataformas em função da propriedade cruzada. A emissora do Grupo RBS tem seus programas, marcas e talentos divulgados pelos outros veículos da empresa, ao mesmo tempo que também ecoa o conteúdo desses. O mesmo acontece no caso da Globo, mas em escala nacional. Tal grau de sinergia favorece a criação e a fidelização das audiências, continuamente impactadas pelas características da emissora dominante. Situação semelhante, no entanto, não garante total competitividade a outros players.

A Rede Bandeirantes de Televisão é outra emissora que se insere em um conglomerado marcado pela atuação cruzada. Detendo rádios, canais abertos e pagos, jornais, sites e outros veículos, o grupo inclui muitos dos seus profissionais em múltiplas mídias de forma concomitante, como, por exemplo, José Luiz Datena, Milton Neves e Ricardo Boechat. Assim, o público e o prestígio angariados em um meio são mais facilmente transferidos para os outros, de forma a dar maior robustez para o conglomerado que, no entanto, não alcança os mesmos patamares de resultado dos líderes. Já a Record não se posiciona de forma tão ostensiva no mercado como um grupo multimídia, apesar de também possuir, entre outros negócios, o canal segmentado Record News, o portal R7 e o jornal "Correio do Povo", de Porto Alegre. Trata-se de uma situação a tornar ainda mais relevante a atuação do Grupo Silvio Santos, controlador do SBT, que não possui empreendimento em outras mídias.

Ocorre algo semelhante no segmento de radiojornalismo em Porto Alegre. Emissoras como Guaíba e Bandeirantes atuam a partir de grupos com presença mais forte em outras mídias do que a Grenal. De fato, até pela quantidade de emissoras operadas pela Rede Pampa, pode-se dizer que o rádio ocupa o primeiro lugar entre os empreendimentos de Otávio Dumit Gadret. Iniciativas como a do jornal "O Sul", por exemplo, não chegaram a concorrer com diários mais tradicionais, daí, inclusive, a transformação deste em portal.

A ideia do mercado em acomodação não renega o lucro. Alguns conglomerados comunicacionais – os anteriormente denominados como coadjuvantes – reduzem suas expectativas concorrenciais, diminuindo junto os custos inerentes a disputas de maior fôlego. Em paralelo, contudo, mantêm uma lucratividade que permite a continuidade do negócio. Talvez, o melhor, para deixar bem claro este processo, seja mesmo recorrer às palavras de um executivo da área de comunicação, no caso, as de Cláudio Petraglia, diretor geral da Rede Bandeirantes de Televisão entre os anos 1970 e 1980: “O primeiro lugar é muito incômodo e desgastante, acho preferível ficar num segundo lugar bem posicionado (não muito distante do primeiro). Até porque o segundo lugar é sempre o desafio para vencer”. Sem afetar diretamente os protagonistas principais, coadjuvantes de peso – como a Grenal, a Record e o SBT – mantêm o seu espaço. A acomodação é, fique claro, em relação às condições de concorrência e não deve ser confundida com comodismo. Para se manter à sombra das emissoras líderes, esses players interpretam com dedicação cotidiana os seus papéis.

Clique aqui para ler o artigo na íntegra.

Luiz Artur Ferraretto é jornalista e doutor em Comunicação e Informação pela UFRGS. Professor universitário, trabalhou em jornais, emissoras de rádio e televisão e assessorias de imprensa. Entre outras obras, é autor de "Rádio – Teoria e prática", publicado pela Summus. Coordenador do Núcleo de Estudos de Rádio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Fernando Morgado é professor, consultor, palestrante e escritor. Possui livros publicados no Brasil e no exterior, incluindo o best-seller "Silvio Santos: a trajetória do mito" e "Blota Jr.: a elegância no ar", ambos editados pela Matrix. Mestre em Gestão da Economia Criativa pela ESPM. Coordenador-adjunto do Núcleo de Estudos de Rádio da UFRGS.

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