Vários bairros do Rio de Janeiro possuem fama mundial. Copacabana e Ipanema são os destinos favoritos dos turistas. Botafogo e Flamengo emprestam seus nomes para dois grandes clubes. Madureira é cantada por muitos sambistas. Leblon é cenário obrigatório das novelas de Manoel Carlos. Mas existe um bairro que, apesar de não ser alvo dos olhares estrangeiros, reúne os moradores mais altivos da cidade: a Tijuca. Não por acaso, o carioca que vive lá ostenta um gentílico a mais: tijucano.
Emoldurado pela floresta da Tijuca, uma das maiores áreas verdes urbanas do planeta, o bairro tem longa história, iniciada em meados do século XVI. Plantações e chácaras dominaram a região até o final do século XIX, quando ela mergulhou em intensa urbanização. Um dos símbolos desse processo é o Tijuca Tênis Clube, fundado em 1915. Quando completou cem anos, essa entidade tinha 42 mil sócios e quase 500 atletas federados.
Poucos sabem, mas a atuação do Tijuca Tênis Clube também alcançou o rádio. Em outubro de 1933, durante a presidência de Heitor Beltrão – pai do ex-ministro Hélio Beltrão, avô da jornalista Maria Beltrão e, desde 1956, nome de uma das principais avenidas da Tijuca –, o clube montou uma emissora que podia ser ouvida em toda a cidade. Ela recebeu o estranho nome de Cajuti, um anagrama de Tijuca. No começo, sua programação consistia basicamente em músicas gravadas e eventos promovidos pelo clube.
A grande virada ocorreu em 4 de maio de 1934, quando a PRE-2 Rádio Cajuti foi oficialmente inaugurada. O estúdio, antes instalado em um terreno cedido pelo conselho deliberativo do Tijuca Tênis Clube, foi transferido para o primeiro andar de um sobrado na rua Treze de Maio, 37, centro do Rio de Janeiro. De acordo com o "Diário de Notícias", a estrutura seguia os moldes do rádio estadunidense e contava "com um sistema todo especial de refrigeração regulável até zero grau de temperatura".
Dirigida por Paulo Bevilacqua, a Cajuti nasceu tendo três orquestras: a de Ouro, comandada por Isaac Feldman; a Típica Argentina, liderada por Juan Rasso; e a da Velha Guarda, chefiada por ninguém mais ninguém menos que Donga, compositor de "Pelo telefone", o primeiro samba gravado na história. E foi justamente da área musical que veio o maior êxito da emissora: o "Programa Francisco Alves", lançado em 24 de junho de 1934. Apesar de ser apresentado por Christovam de Alencar, a atração levava o nome do famoso cantor, que atuava em todas as edições e cantava quantas vezes os ouvintes pedissem. O programa, que ia ao ar às 19h dos domingos, também tinha a participação do grande Noel Rosa e do então estreante Orlando Silva, que fora descoberto por Francisco Alves e logo se tornaria o cantor das multidões. Emilinha Borba, que seria um dos ícones da Rádio Nacional, foi outra estrela que, no começo de sua carreira, passou pelo programa de Chico Viola.
Nos anos 1930, todas as rádios abriam espaço para palestras sobre os mais diversos temas. A Cajuti não era exceção. Durante a primeira semana de julho de 1934, por exemplo, ela transmitiu uma série de conferências sobre algo visto como tabu: sexo. As atividades foram dirigidas para todos os públicos e reuniram, conforme registrou o "Correio da Manhã", uma plateia "seleta e avultadíssima".
A Cajuti também se destacou com as transmissões de Carnaval e o programa "Samba e outras coisas", um dos últimos trabalhos de Noel Rosa. Apesar desses sucessos, a emissora não suportou a crescente concorrência e acabou fechada pelo Tijuca Tênis Clube. Sua frequência passou a ser ocupada pela Vera Cruz, rádio de orientação católica lançada em 15 de agosto de 1937.
Mesmo tendo durado pouco, a Cajuti deixou marcas importantes na história do rádio, da música e, claro, da Tijuca, alimentando ainda mais o orgulho dos seus moradores.
Anúncio da inauguração da Rádio Cajuti publicado na edição de 4 de maio de 1934 do jornal "A Noite"
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