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Quinta-Feira, 13 de Maio de 2021 @

O fim de uma era na Itatiaia – A Rádio de Minas

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População mineira foi surpreendida na noite do último dia 12 de maio com a notícia da venda da Rádio Itatiaia ao mega empresário Rubens Menin, ligado à MRV Engenharia, Banco Inter, CNN Brasil e Clube Atlético Mineiro. Trata-se, sem dúvida, de um negócio milionário e que requer uma reflexão cuidadosa que envolve vários aspectos. 

A pergunta que pulsa na cabeça dos mineiros é: “Mas por que vender a Rádio Itatiaia?”. Não tenho procuração para responder nem pelo lado de quem vendeu e nem pelo lado de quem comprou, mas algumas pistas estão no ar deste emaranhado de ondas hertzianas. 

A Rádio Itatiaia foi fundada por Januário Carneiro (1928-1994), mineiro de Patrocínio do Muriaé. No final da década de 1930 a família mudou-se para a Capital e, já na adolescência, Januário teve a sua primeira experiência radiofônica. No fundo do quintal de casa, debaixo das bananeiras, criou a Rádio Júpiter, estação que alcançava cinco quarteirões no bairro da Serra. O irmão pequeno, Emanuel, corria pela vizinhança para avisar quando a rádio entrava no ar. A programação ia das músicas dos discos de 78 rotações à voz da outra irmã, Ester, que cantava músicas da época. 

Depois da brincadeira da Rádio Júpiter, Januário descobriu a imprensa de verdade. Começou a trabalhar no jornal O Diário, como repórter esportivo. Mas foi com seus boletins para a Rádio Continental do Rio que Januário começou a arquitetar o sonho de ter uma emissora própria, fugindo dos padrões tradicionais de programação.

A Rádio Itatiaia nasceu, na realidade, em Nova Lima, cidade a 30 quilômetros de Belo Horizonte. Uma pequena emissora estava à venda e Januário reuniu seus poucos recursos com os de alguns amigos e efetuou a compra. Em 1951, no Hotel Ouro, a estação nasceu com 100 watts, a menor potência permitida por lei, mas muito baixa para quem quisesse conquistar algum ouvinte. Além disso, a frequência era a pior possível: 1580 khz, no finalzinho do dial. 

A partir de 1952, quando a Itatiaia conseguiu autorização para operar em Belo Horizonte, disputavam o mercado da capital três grandes estações: Inconfidência (de propriedade do governo de Minas Gerais), Guarani e Mineira (ambas pertencentes aos Diários e Emissoras Associados). As três trabalhavam da mesma forma com elenco de atores, grandes orquestras, programas de auditório. Sobre a Itatiaia, a população de Belo Horizonte comentava: “É uma emissora que fala para o centro e cochicha para os bairros” fazendo uma crítica à má qualidade do som e à falta de potência das transmissões. 

Januário Carneiro pretendia implantar na Itatiaia um esquema diferente do que se conhecida até então a respeito de programação de rádio. A Rádio Continental do Rio, já trilhava este novo caminho de identificação com o esporte e a Itatiaia tentava repetir a mesma fórmula, atraindo principalmente os apaixonados pelo futebol. Junto com as coberturas esportivas, a Rádio Itatiaia investiu no jornalismo, com grandes coberturas nacionais e internacionais e cresceu muito. 

Ao completar 70 anos, a Rádio Itatiaia é hoje uma das empresas de radiofonia mais sólidas do país, detentora de uma marca vigorosa e amada pelo público. O slogan “A Rádio de Minas” significa que a emissora possui raízes profundas na história, na tradição e no jeito do mineiro ser, viver e se entender como povo. 

E aqui voltamos à questão inicial: “Mas por que vender a Rádio Itatiaia?” As empresas familiares de todos os setores – e na radiodifusão não é diferente – enfrentam um grave desafio quando o assunto é a sucessão. Januário Carneiro, o fundador da Itatiaia, morreu em 1994 deixando seu legado para o irmão Emanuel Carneiro, que passou a comandar a emissora com uma mistura de carisma, pulso firme, senso de comunicação e tino comercial que catapultou a empresa ao ranking dos maiores faturamentos e das maiores audiências do país. Mas Emanuel tem 78 anos e sabe que não ficará para sempre à frente da emissora. Ele tem quatro filhos e apenas um esteve ao lado dele na gestão da rádio, como vice-presidente, mas trata-se de um profissional de perfil predominantemente técnico. E para a gestão de uma emissora como a Itatiaia – ainda mais neste cenário do rádio multiplataforma e profundamente reconfigurado – é necessário alguém altamente preparado para enfrentar os múltiplos desafios dos novos tempos.

Havia uma expectativa no mercado mineiro acerca da sucessão na Rádio Itatiaia, isso é inegável. Nas especulações aqui e ali, os comentários é que ao completar 80 anos Emanuel Carneiro iria se recolher e colocar à frente da Itatiaia uma gestão profissional, como fazem muitas empresas familiares. Saem da organização, mas continuam de olho aberto sinalizando para o mercado que não houve rupturas, apenas uma continuidade.

Mas não foi isso que aconteceu na Itatiaia e a opção por uma solução radical é a causa da surpresa de todos. Para muitos, a venda da Rádio Itatiaia é como perder alguém da família. Aliás, a expressão “Família Itatiaia” é bastante utilizada e assimilada pelo povo mineiro. Ninguém fala, por exemplo, “Família CBN” ou “Família Band”, mas a Itatiaia tem representado até agora uma parte da identidade do nosso Estado. 

Há incontáveis casos antológicos que exemplificam como se dá, de forma especial, a relação da Itatiaia com seu público. Todo mundo conhece o caso do ouvinte que faleceu e, durante o velório, a família colocou no caixão um radinho de pilhas ao lado do morto, obviamente sintonizado na Itatiaia. Durante o sepultamento, entre lágrimas e orações, ouvia-se a transmissão da emissora. E os vários relatos de ouvintes que proíbem seus familiares de sintonizar outra emissora no dial? Há casos e mais casos de presentes inusitados, declarações apaixonadas e ouvintes que até colaram durepox no aparelho de rádio, de forma que a Itatiaia ficasse para sempre sintonizada. Funcionários da rádio que se candidatam a cargos no Legislativo ou Executivo têm passaporte quase que garantido nas eleições.

É esta rádio que agora é vendida e passa às mãos de um mega empresário, certamente conhecido do povo mineiro – principalmente no quesito esportes – mas que terá que lutar bravamente para convencer os mineiros de que está alinhado à tradição radiofônica que é tão cara ao nosso povo. 

Sob o comando de Rubens Menin a Itatiaia ganha a sonhada vida longa e próspera desejada por Emanuel Carneiro e deverá ter uma gestão profissional e competente, além de investimento farto. Mas o negócio rádio não é só isso. Trata-se de um compromisso de credibilidade e entendimento de uma sociedade na qual está inserida a emissora. Só o tempo dirá se Menin irá transformar a Itatiaia em mais um negócio exitoso do ponto de vista financeiro ou se dará continuidade à Rádio de Minas.

Neste dia 13 de maio, quando Emanuel Carneiro e Rubens Menin ocuparam os microfones da Itatiaia para explicar a transação, num cenário midiático comandado pelo jornalista Eduardo Costa, o clima não era de euforia, mas de cartas cuidadosamente desenhadas para fazer o mercado entender que tudo ficará como está e que pode até melhorar. Ao final da transmissão, Eduardo enfatizou: “A Itatiaia continua cada vez mais firme, cada vez mais forte, cada vez mais sua”. Vamos tentar acreditar nestas palavras do Eduardo, mesmo sabendo que perdemos alguém muito querido.

Tags: Rádio Itatiaia, venda, rádio, Minas Gerais, artigo

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Colunista
Nair Prata

Jornalista (UFMG), doutora em Linguística Aplicada (UFMG) com estágio de pós-doutoramento em Comunicação na Universidade de Navarra (Espanha). É professora do Mestrado em Comunicação da Universidade Federal de Ouro Preto. É pesquisadora de rádio e tem 20 livros publicados, além de dezenas de artigos em jornais e revistas científicas. Contato: [email protected]










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