Segunda-Feira, 23 de Junho de 2025 @
Estudo inédito de Fernando Morgado revela fuga de verba publicitária de São Paulo e mostra oportunidades nos mercados locais
Analisei todo o histórico de dados do Cenp-Meios. Eles revelam que a participação de São Paulo no total de mídia comprada nos estados caiu de 46% em 2018 para 38% em 2024. Nenhuma outra unidade federativa chegou perto de uma queda tão acentuada. Enquanto isso, o Rio de Janeiro, segundo maior mercado do país e que muitos diziam estar em decadência, manteve-se praticamente estável, oscilando de 17% para 16% no mesmo período.
Para onde foi o dinheiro que saiu de São Paulo?
Baseei meu estudo nos valores em dólares divulgados pelo Cenp-Meios, justamente para minimizar os efeitos inflacionários e oferecer melhores condições de análise de longo prazo. Entre 2018 e 2024, o investimento publicitário em São Paulo caiu 173 milhões de dólares, cerca de R$ 1 bilhão na cotação atual. Esse valor assombroso equivale à soma de todo o dinheiro gasto com mídia em onze estados durante o ano de 2024: Santa Catarina, Mato Grosso, Pará, Amazonas, Espírito Santo, Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte, Maranhão, Mato Grosso do Sul e Amapá.
Importante destacar que essa dinheirama perdida por São Paulo não representou uma redução no investimento total em publicidade no Brasil. Pelo contrário. O bolo nacional cresceu 307,5 milhões de dólares, uma alta de 8% no período analisado. Ou seja, o dinheiro aumentou e foi redistribuído entre a compra de mídia nacional e os demais estados.
Quais estados estão ganhando espaço no mercado publicitário?
Desde 2018, quatro unidades federativas registraram crescimentos acima dos 10 milhões de dólares: Mato Grosso (+US$ 21,3 milhões), Distrito Federal (+US$ 17,2 milhões), Ceará (+US$ 15 milhões) e Goiás (+US$ 14,4 milhões). A Bahia também merece destaque, com um crescimento de quase 10 milhões de dólares no mesmo período. Já Minas Gerais, terceira maior praça do país em investimento publicitário, manteve-se estável.
Esses números trazem lições importantes. A maior delas é que nem tudo é como dizem ou acham que é. Ainda que as maiores agências de publicidade do país estejam sediadas na capital paulista, isso não significa que São Paulo, enquanto mercado local, seja tão pujante quanto aparenta.
Por que São Paulo virou só centro de decisão, e não de investimento?
O que vemos é que São Paulo se tornou um polo de decisão sobre verbas que cada vez menos permanecem na cidade. Essa distorção tem consequências graves, pois é difícil, para não dizer impossível, entender a alma brasileira e traduzir isso em boas estratégias de comunicação quando se trabalha enfurnado em um escritório na Faria Lima.
É urgente, para usar uma palavra da moda, empoderar as agências, os anunciantes e os veículos de comunicação de fora de São Paulo. Esse trabalho deve envolver toda a cadeia produtiva da comunicação, inclusive o poder público em suas diversas esferas.
Quais os impactos da descentralização na comunicação?
A partir do momento em que se descentraliza o dinheiro da comunicação, fortalecem-se os mercados locais, o que gera consumo, emprego e renda em todo o Brasil. Além disso, combate-se de forma mais eficaz a desinformação, já que as empresas regionais de comunicação, que enfrentam a concorrência das big techs em condições desiguais, poderiam acessar mais recursos e prestar um serviço ainda melhor às suas comunidades.
Precisamos abandonar, de uma vez por todas, a ideia de que uma única cidade pode reger os rumos da comunicação nacional. A tecnologia permite ganhos enormes de eficiência, inclusive para descentralizar os círculos de decisão e aproximá-los das realidades locais. Nada mais justifica o velho modelo, nem mesmo o fato de as grandes agências estarem fisicamente sediadas em São Paulo, até porque muitos dos seus profissionais nem voltaram ao trabalho presencial.
Qual o recado que os números estão dando ao mercado?
Como diz o ditado, “dinheiro não leva desaforo”. Mas dinheiro deixa recado. E, desta vez, o recado é claríssimo: agências e anunciantes precisam sair da zona de conforto e começar a olhar o Brasil como ele realmente é. Chega de velhas rivalidades. É hora de respeitar a diversidade e investir mais em mídias que falam diretamente com todos os brasileiros, não apenas com os moradores da cidade de São Paulo.
São Paulo é um exemplo de trabalho e orgulho para o Brasil. Mas reduzir a comunicação de um país de dimensões continentais a uma só cidade é apequenar nosso potencial. O Brasil não é a Argentina, onde quase 40% da população vive em uma única província. Somos imensos, diversos e complexos. E a comunicação precisa, com urgência, refletir e valorizar tudo isso.