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O risco da IA não está nas máquinas, mas na nossa disposição de ceder a elas o que nos torna humanos: o poder de decidir.
Tenho ouvido com frequência que a IA é inevitável, que resistir a ela seria como tentar parar o vento com as mãos. Concordo parcialmente. O problema não é o vento, mas quem segura o leme. Regular a inteligência artificial não é um gesto de contenção, é um ato de liberdade. É decidir que ainda somos nós e não um algoritmo sem rosto, quem define o rumo da sociedade.
Quando comecei a trabalhar com mídia digital, há mais de uma décadas, o grande desafio era compreender como as informações circulavam. Hoje, o desafio é compreender quem as governa. A IA alterou o eixo da criação humana. Antes, programávamos as máquinas para resolver problemas, agora, elas decidem quais problemas merecem ser resolvidos. Estamos diante de um novo tipo de poder: invisível, difuso, e muitas vezes travestido de neutralidade técnica.
A comparação com a Revolução Industrial é inevitável, mas insuficiente. Naquela época, sabíamos o que uma prensa fazia, o que uma locomotiva produzia. Agora, convivemos com sistemas que aprendem sozinhos, mudam de comportamento e tomam decisões com base em dados que nem seus criadores compreendem por completo. É uma forma inédita de delegação e de servidão.
No jornalismo, onde construí minha relação mais íntima com o ecossistema digital, a situação é particularmente sensível. Desde Gutenberg, não víamos transformação tão profunda. Mas, ao contrário da prensa, que multiplicou a palavra humana, a IA corre o risco de substituí-la. Se deixarmos que algoritmos determinem o que é relevante, verdadeiro ou digno de ser publicado, sem os conceitos de transparência, explicabilidade e reversibilidade, estaremos abdicando de algo essencial: o juízo humano.
Não quero viver em um mundo onde a informação seja apenas eficiente. Quero um mundo onde ela ainda seja ética, contextual e responsável. A IA pode e deve ser uma ferramenta, mas jamais um árbitro. Ela pode nos ajudar a ver mais longe, desde que não nos cegue para o que é essencialmente humano: o discernimento.
Por isso, defendo com veemência a regulação. Não como freio, mas como bússola. A ausência de regras não é sinônimo de liberdade é terreno fértil para a dominação. Regular é estabelecer limites claros, é garantir transparência, explicabilidade e reversibilidade. É assegurar que cada decisão algorítmica possa ser compreendida, questionada e, se necessário, revertida.
A inteligência artificial não é a mente humana, assim como aviões não são pássaros. Mas, ao contrário das máquinas do passado, ela já começa a aprender conosco e sobre nós. A fronteira entre o criador e a criatura nunca foi tão tênue. E é justamente por isso que precisamos reafirmar, com lucidez e coragem, quem serve a quem.
Regulamentar a IA é, acima de tudo, recusar a servidão voluntária. É proteger o direito de pensar, decidir e errar, ainda que lentamente, ainda que imperfeitamente, como seres humanos.


 
			