Saiba detalhes sobre as tendências do rádio nos EUA e o que podemos esperar por aqui
O tudoradio.com entrevistou novamente Henrique do Valle para que o profissional conte em detalhes o que está acontecendo no mercado de rádio dos Estados Unidos. E como esperávamos, foi uma aula! Vale ler cada parágrafo e ficar na expectativa do que pode acontecer por aqui, no Brasil.
Cristiano Stuani esteve em Nova York para entrevistar Henrique do Valle. A colaboração na transcrição do texto é de Carlos Massaro.
Boa leitura!
Na sua opinião, qual a diferença do conteúdo das rádios americanas com o das brasileiras?
O programador ou diretor de qualquer rádio americana para poder entrar no ar, ele tem que passar por uma escala, em mercados pequeno, médio e grande, além de estudar o que está acontecendo no dia-a-dia. Não adianta o cara sentar e ficar anunciando e desanunciando hora e ficar o dia todo no Facebook. Aqui não tem tempo de ficar no Facebook. Antes de entrar no ar ele tem que saber o que está acontecendo na política, no esporte, na economia, no entretenimento, na tecnologia. Tudo isso são informações que ele tem que passar no ar, conversar com o ouvinte. Tratar o ouvinte de forma inteligente. Nos Estados Unidos não se dá a hora certa porque isso ele tem no celular, no painel do carro. Então, ele não perde tempo de anunciar. O tempo que ele usaria para dar a hora certa, ele fala uma notícia que, de repente, o ouvinte não sabe. Quando eu ouço as rádios do Brasil, eu sinto que, eu não sei se o programador ou diretor não quer deixar o locutor falar e limita o trabalho dele e não deixar ele fazer o trabalho para qual foi contratado, porque, na verdade é o seguinte: se você contrata um locutor na rádio é para que ele seja locutor. Se ele é contratado, é porque ele tem uma qualidade para isso. Então, se no caso ele não pode exercer aquela qualidade no ar, ele fica travado. Em compensação, talvez, pela falta de pessoas que estejam hoje no Brasil, talvez eles tenham medo de falar alguma coisa e ficar com medo de o programador chegar lá e falar “pô, tá falando de demais, etc”. Acho que a pessoa tem que falar se tiver coisa para falar. Se não tiver, não fala nada. Mete uma vinheta e vai para uma segunda música. Aqui, as rádios não querem que a musicalidade seja interrompida. Então, ela tem que manter uma sequência e, quando o locutor entra, ela vai dar uma informação que, de repente, o ouvinte não saiba ainda. Ainda mais hoje, que estamos com essa internet no celular o dia todo, as informações acontecem muito rápido. Então, o papel do locutor aqui é justamente esse, de dar mais informações que talvez a pessoa não tenha tido tempo de conferir ainda. O cara está sempre procurando informação nova no computador.
Cristiano Stuani e Henrique do Valle, durante a entrevista realizada para o tudoradio.com em Nova York
Quando você fala de não interromper a musicalidade, é o locutor aproveitar o final e uma música e o começo da outra para dar alguma informação ao ouvinte?
Exatamente. O locutor vende uma música e se tem assunto que liga à outra música, ele pode falar. O locutor tem que saber o que está sabendo no meio para falar algo relevante para o ouvinte. Ele tem que ter autonomia para fazer isso. Mas tem que saber o que fala. A questão é a direção permitir isso.
Você falou que, em um dos seus programas, você fala até de outros assuntos, como churrasco. Esse tipo de conteúdo é uma surpresa nos programas de hoje?
A gente que está nesse meio há muito tempo, a gente tem que sempre se reinventar. As pessoas que me ouvem, me ouvem porque eu devo ter outras coisas a dar para eles. Qualquer serviço de música tem o que as rádios têm. Se a rádio não tiver nada para falar entre as músicas, os ouvintes vão procurar os aplicativos como Spotify, Pandora, etc. Eu procuro sempre dar alguma coisa a mais. Como o sertanejo no Brasil é muito forte, eu pensei comigo. “Por que o Henrique do Valle não entrar no meio sertanejo?”. As pessoas que é uma coisa esquisita. Eu também acho, mas é um desafio que já está dando certo, por que eu procuro fazer a locução do mesmo jeito mesmo, dinâmica e alegre e poder transmitir o que eu sinto para o ouvinte, que hoje, tem praticamente os mesmos gostos que os ouvintes de uma rádio pop, com algumas exceções, claro. Neste programa que estou fazendo agora, que se chama Top Country Show, e eu gosto muito de fazer churrasco e recebo as pessoas para fazer churrasco. Então, no programa, eu tive a ideia de dar algumas dicas de receita de churrasco e o pessoal gostou. Além disso, vou fazer vídeos como eu faço, por exemplo, uma costela defumada. São coisas que eu tenho na cabeça para fazer algo diferente e interagir com o ouvinte.
O country dos Estados Unidos está passando por uma evolução parecida com o sertanejo no Brasil?
Acredito que sim, pois, tanto a plástica das rádios country está muito parecida com a das rádios pop e vários locutores pop estão sendo contratados por rádios country, justamente para dar aquela dinâmica conhecida das rádios pop. Ao meu ver, o sertanejo hoje não é aquele tradicional. É o sertanejo/pop. Se analisar esses grandes nomes da música sertaneja atual, no Villa Mix, por exemplo, é diferente. Tem muita guitarra, produção, bateria. É diferente. Os caras estão com agenda cheia. Essa pegada country é pop. Tanto é que muitos artistas estão chamando para parceria com nomes pop.
Em se tratando de vinhetas e plástica. Qual é a riqueza das rádios americanas comparando com as brasileiras?
Acabei de chegar de uma convenção em Miami, chamada ReelMix, que reuniu 154 produtores de 18 países. As emissoras investem um absurdo na plástica da rádio, porque ela significa como o branding da emissora vai se desenvolver, como o ouvinte vai identificar o sinal característico da rádio no ar. Aqui nos Estados Unidos, as emissoras procuram os jingles e a plástica justamente para se criar aquele branding, porque fica na cabeça do ouvinte. No Brasil, algumas emissoras estão fazendo a mesma coisa. Eu sou representante da ReelWorld no Brasil e temos cerca de 50 emissoras usando esses jingles. É caro, mas o retorno é garantido. Quando se chega em uma agência e diz que a rádio tem uma identidade, o ouvinte sabe que naquela emissora ele vai ter os melhores prêmios, melhor programação, melhores locutores, isso tem relevância. As rádios tocam os 50 maiores sucessos, por exemplo. Isso principalmente com as sertanejas. O que vai diferenciar a rádio, é o que ela toca entre as músicas.
Sobre programação musical, eu estava ouvindo a Z100 FM de Nova York e se percebe uma programação muito bem feita. No Brasil ainda existe um desequilíbrio, principalmente no sertanejo. Como você vê essa diferença?
Aqui a programação da manhã é “porrada”. O cara levanta cedo e vai trabalhar e a rádio não pode colocar uma música devagar, se não o cara chega no trabalho “chorando”. Então, eles procuram manter o mesmo Bpm, dependendo da hora do dia. E o mais importante são jingles, que são “casados” com as músicas no mesmo “cue”. Quem é músico, sabe. Eles programam os jingles de acordo com o “key” que a música está, porque segue o mesmo fluxo. Então você não quebra o ritmo. Existe uma harmonia musical. Então, aqui tudo é feito de uma forma científica porque a competição é muito grande e se vacilar, o ouvinte troca de rádio na hora. E como a internet aqui é muito rápida, o cara vai para o celular e ouve a qualidade de áudio no celular, sem quebrar, nem nada. No Brasil, eu acredito que algumas regiões estejam assim. Outras, não. Os jingles são gravados em diferentes “key”. A pessoa pode entrar no site e verificar em qual “key” que a música está. A pessoa que vai programar a rádio vai saber qual o “key” estão a música e o jingle, sem quebrar a harmonia. Isso é importante para o ouvinte levantar e ir trabalhar alegre ouvindo aquela rádio.
Você percebe o crescimento da audiência com o celular?
Depende. Vejo pelas minhas filhas que têm tempo sobrando e ficam “fuçando” na internet, ouvir músicas. Tanto é que elas servem de termômetro para mim. Às vezes elas descobrem música e depois de um tempo, está tocando na Z100. E se tocar na Z100, um mês depois está tocando no resto dos Estados Unidos. Então, elas têm tempo de sobra para ficar no celular. Quando o adolescente sai do “high school” e vai para a faculdade, o cara não tem mais tempo de ficar “fuçando”. Ele está na faculdade, não tem mais tempo para nada. Ele tem que estudar. O cara saiu da faculdade, ele tem que trabalhar. Não tem mais tempo nem para ficar no celular. Ele quer entrar no carro dele, apertar um botão e ouvir a rádio que ele gosta. Esse aumento da audiência no celular depende da categoria que for analisar. Quanto mais velho o ouvinte, menos tempo ele tem de ficar “fuçando” em música no celular e na internet. Ele quer coisa mais prática. Então, a rádio favorita dele tem que ter aquela sequência de músicas e a aquela identidade. Aquele som já está na cabeça dele. Esse negócio de dizer que a rádio de internet vai ganhar do rádio terrestre é muito relativo, porque a audiência do rádio aqui nos Estados Unidos continua alta. E outra: Esse povo que sai da faculdade, é o povo que tem dinheiro para comprar. Então, eles investem nesse público. Tem essa história de que, no futuro, as pessoas ouvirão rádio pelo celular. Por enquanto, aqui, a FCC, órgão que cuida disso, não liberou ainda. A Apple não liberou o chip de FM no celular. O CEO da Emmis Broadcast, dona da Hot 97 FM de Nova York e da Power 106 FM de Los Angeles, está junto ao FCC para convencer o governo a liberar o uso do chip FM nos celulares e o cara está em rádio. É uma segunda forma de ele ouvir o rádio.
Saiu uma pesquisa que 89% ouvem rádio nos Estados Unidos. O que você acha que faz o norte-americano ouvir rádio?
O rádio aqui é muito local. De manhã ele liga o rádio e quer ouvir o Elvis Duran na Z100. Se ele for para outra rádio, a KTU, por exemplo, ele vai continuar ouvindo o Elvis Duran. O ouvinte vai atrás do comunicador do qual ele se sente amigo. Ele é muito fiel ao que ele ouve. O jovem que vai para a escola, liga o rádio de manhã e ele sabe que vai ouvir o seu DJ favorito, ou uma pegadinha ou uma promoção. Isso o torna fiel. E para isso, o rádio precisa de pesquisas, para saber o tipo de gosto e comportamento do ouvinte. Com isso, a rádio faz uma coisa específica para cada ouvinte. Não é como no Brasil, que uma rádio tem pop, sertanejo, funk, futebol, etc. Aqui é tudo separado porque a fatia do bolo é grande. Se ele pegar aquela fatia, ele tem condições de ganhar mais dinheiro do que se ele vender o bolo para todo mundo. Essa é a diferença. Um exemplo. A pessoa gosta de comer carne e eu vou oferecer peixe? A pessoa vai parar de vir na minha casa porque só ofereço peixe.
E como você avalia a qualidade da produção dos jingles?
Hoje, a preocupação da rádio em manter a musicalidade é tão grande que até o tamanho do jingle está diminuindo. Antigamente, quando fazíamos qualquer venda de pacotes, todos tinham dez temas variados. Agora, alguns dos pacotes estamos aumentando o número de temas e diminuindo o tamanho. Com isso, a rádio consegue variar de jingle, mas consegue diminuir o tempo entre as trocas de músicas. Essa coisa do country pop está ficando muito forte aqui e a plástica está bem pop também. Hoje, no Brasil eu vejo produções, como as da Dário Produções, do Gilson Dário, que é responsável pela plástica da Clube FM de Ribeirão Preto, e o diretor da rádio, o Pizzani, queria uma produção agressiva, para cima, porque a audiência é jovem. Aquela história do “sertanejo brega” não é mais dessa forma. O cara que curte sertanejo hoje tem iPhone 7, vai no Villa Mix, pega avião para ver festival, vem para os Estados Unidos, ele investe. Tem outra cabeça. Por causa disso, as rádios que estão neste formato querem uma coisa que não seja totalmente pop, mas não querem uma coisa totalmente sertaneja. Com isso, surge uma nova forma de plástica.
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