Nos anos 1960, a comunicação brasileira vivia a transição entre a era do rádio e o império da TV, mas a Rádio Nacional AM 1130 do Rio de Janeiro, conservava uma posição estratégica na transmissão de informações para os brasileiros. Atual emissora do sistema de rádios da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), a Rádio Nacional transmitia em ondas curtas e médias, discutia a realidade do Brasil e integrava o país. Nos dias do golpe, abriu seus microfones para discursos em defesa da democracia, foi invadida pelos militares e teve 36 artistas e jornalistas demitidos.
Entre os que usaram os microfones da Rádio Nacional em defesa da democracia esteve o então deputado federal Rubens Paiva, depois cassado e, finalmente, morto após sequestro e tortura por militares da Aeronáutica e do Exército. No discurso, convocou estudantes e trabalhadores para que se mobilizassem pacificamente contra o movimento golpista. "Está lançada inteiramente para todo o país o desafio: de um lado, a maioria do povo brasileiro desejando as reformas e desejando que a riqueza se distribua; os outros são os golpistas, que devem ser repelidos e, desta vez, definitivamente, para que o nosso país veja realmente o momento da sua libertação raiar", disse o deputado.
O radioator Gerdal dos Santos, um dos dois únicos sobreviventes da lista dos 36 demitidos em 1964 – outro é o ator Gracindo Júnior -, vivenciou os últimos momentos antes da invasão da Rádio Nacional pelos fuzileiros navais e pelos coronéis do Exército que vieram instaurar o IPM (Inquérito Policial Militar). "No dia 1º de abril, eu estava na rádio desde cedo, assistindo à Rede da Legalidade, comandada pelo ministro da Justiça de Jango, Abelardo Jurema. Até a tarde, quando houve a tomada da rádio, várias personalidades e dirigentes sindicais ocupavam o microfone em defesa do mandato do presidente da República. Isto ficou muito marcado na minha memória", lembra.
O grupo saiu antes da invasão da rádio pelos militares, a conselho do colega Manoel Barcelos, que era o presidente da Associação Brasileira de Rádio. "Sou muito grato ao Barcelos. Ele temia pela nossa prisão caso permanecêssemos na Nacional, e nos levou de carro para casa", conta Gerdal.
Quando os fuzileiros navais chegaram, encontraram a Rádio Nacional fora do ar. Alguém tinha levado o cristal. Alguns militares foram à Parada de Lucas, onde ficavam os transmissores, para, com a ajuda dos técnicos, colocar de novo no ar a emissora, que passou a transmitir de lá notícias favoráveis ao golpe.
Ao todo, a lista inicial dos demitidos tinha 67 nomes e foi elaborada pelos interventores com a "colaboração" dos três colegas de trabalho, instaurando o clima de delação e vingança pessoal que se instalou no país após o golpe. O processo de expurgo teve início em 2 de abril. Menos de quatro meses depois, em 23 de julho, o Diário Oficial publicava o decreto do general presidente Castello Branco com a relação final dos demitidos - os que deveriam, "por medida de segurança, ser afastados do serviço e das dependências da Rádio Nacional".
A Comissão de Investigação Sumária concluía, dessa forma, seu trabalho de "enquadrar a Rádio Nacional na linha da Revolução Vitoriosa". Entre demitidos e investigados, figuravam líderes sindicais da categoria dos radialistas, como Hemílcio Fróes, que chegou a ser diretor da emissora, jornalistas, como o comentarista esportivo João Saldanha, apresentadores e produtores de programas, como Paulo Roberto, e artistas das mais diversas áreas.
Os consagrados autores teatrais Oduvaldo Vianna e Dias Gomes, o novelista Mário Brasini, os atores Mário Lago e Gracindo Jr., as atrizes Wanda Lacerda e Ísis de Oliveira, o maestro e compositor erudito Alceu Bocchino, o humorista e compositor Jararaca, o sambista e pintor Heitor dos Prazeres e os cantores Nora Ney e Jorge Goulart integravam a heterogênea lista de artistas. Todos eles faziam parte do elenco que ajudou a fazer da Rádio Nacional do Rio de Janeiro o mais importante veículo de comunicação da América Latina.
"Veja você os nomes que foram afastados. Oduvaldo, escritor e novelista, o homem que, em São Paulo, lançou uma emissora totalmente voltada para o radioteatro, um nome maior do teatro brasileiro; Dias Gomes, um dos maiores dramaturgos brasileiros; Jorge Goulart e Nora Ney, que estavam em turnê pela Europa, divulgando a música brasileira", recorda Gerdal, que retornou à emissora em 1980 e até hoje permanece na ativa, apresentando os programas Onde Canta o Sabiá, aos sábados, às 9h, e Rádio Memória, aos domingos, às 7h.
Gerdal lembra que, antes do golpe, mesmo já não vivendo a sua fase áurea (dos anos 1940 e 1950), a Nacional ainda era a mais importante emissora de rádio do Brasil. "Ela ainda conservava seu prestígio, mantinha suas emissoras de ondas médias e curtas, era mesmo a maior emissora da América Latina. A partir dessa intervenção em 64, a rádio foi perdendo seu padrão de qualidade, sua condição de emissora primeira, ouvida em todo o Brasil", destaca.
Coautora, com Luiz Carlos Saroldi [falecido em 2010], do livro Rádio Nacional – O Brasil em Sintonia, Sonia Virginia Moreira concorda com Gerdal. "A Nacional tinha uma penetração muito grande, com suas ondas chegava a todas as regiões brasileiras. Por isto, ela foi um alvo sem clemência naquele primeiro momento do regime militar".
Para Sonia, na época do golpe, a televisão não preocupava muito os militares porque ainda não tinha o alcance que tem hoje. "O aparelho era caro. A TV não tinha a mesma penetração que o rádio naquela primeira metade da década de 60, embora muitos atores, atrizes, cantores e apresentadores já estivessem fazendo a migração do rádio para a TV. O rádio ainda era a grande força como meio de comunicação de massa", explica a professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Os 36 demitidos e outros que foram sendo aos poucos afastados tomaram caminhos diversos. A televisão, que se fortaleceu nos anos seguintes, sobretudo com a inauguração da TV Globo, em 1965, absorveu grande parte do cast expurgado da Rádio Nacional, como os novelistas Dias Gomes e Mário Brasini, os atores Mário Lago e Gracindo Júnior, e o apresentador Paulo Roberto.
Na luta pela anistia, no final da década de 70, os expurgados da Nacional formaram uma comissão, tendo à frente Mário Lago. O decreto de anistia veio em 1979, no governo do general Figueiredo. Gerdal lembra que o escritor Guilherme Figueiredo, irmão do presidente, defendia a reintegração dos demitidos, na época 30 nomes, porque seis já haviam falecido: Paulo Roberto, Oduvaldo Vianna, Jararaca, Heitor dos Prazeres, Jairo Argileu e Ovidio Chaves. A reintegração só ocorreu em 1980.
Com informações do Terra
A reprodução das notícias e das pautas é autorizada desde que contenha a assinatura 'tudoradio.com'
Tags:
Rádio, Nacional, militarismo, ditadura, Rio de Janeiro