O número de ações contra meios de comunicação pedindo retirada de notícias do ar deve aumentar com a proximidade das eleições de 2016. É o que indicam especialistas em direito eleitoral e projeções com base no Ctrl+X, a ferramenta da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) que mapeia processos judiciais pedindo remoção de conteúdo. Entre as razões por trás dessa tendência são indicadas o uso cada vez mais intensivo de redes sociais pelos brasileiros, o aumento do número de candidatos e uma “persistente tradição autoritária” em setores do poder Judiciário.
O mapeamento do Ctrl+X mostra que 410 ações pedindo retirada de conteúdo foram movidas contra meios de comunicação em 2014, ano das últimas eleições gerais. Delas, 78% eram relacionadas ao pleito. Isso é quase o triplo do registrado em 2015 (138 processos), quando não houve disputa, e indica uma explosão no número de casos em anos eleitorais.
O fato de que haverá mais candidatos e mais cargos em disputa em 2016 sugere um aprofundamento dessa tendência. As ações de 2014 foram registradas num pleito com 26.172 candidaturas. Como o número de candidatos 2016 deve se aproximar mais das últimas eleições municipais (483 mil candidatos), é provável que tenhamos ainda mais processos movidos por candidatos. “Certamente haverá um crescimento exponencial”, afirma o juiz Marlon Reis, um dos idealizadores da Lei Ficha-Limpa.
abraji-censura-judicialAo analisar a tendência, Reis lembra da crescente preocupação dos políticos com o conteúdo divulgado em redes sociais. “Os candidatos estão temendo mais do que nunca as mídias sociais. Eles tentam neutralizar a informação na fonte para que ela não se espalhe”, diz o juiz, que também é um dos coordenadores do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral. Para ele, esse movimento em direção a uma judicialização do debate fruto de uma visão restrita dos limites da liberdade de expressão e uma tradição autoritária em setores do Judiciário. “A gente vê que basta ter um tom crítico ou um relato mais ácido para que o político acione a Justiça. Nada deveria cercear a liberdade de expressão e de informação, a não ser que essa informação se mostre inverídica”.
A crescente preocupação dos políticos com as redes sociais vem num contexto de aumento do número de usuários de internet, que passaram de 41% para 55% da população brasileira nos últimos cinco anos. Mais pessoas postando suas opiniões têm despertado mais processos. Tanto que do total de casos pedindo retirada de conteúdo registrado no Ctrl+X, 60% vieram não de empresas jornalísticas tradicionais, mas de conteúdo postado por usuários no Google e no Facebook.
O advogado Alberto Rollo, especializado em legislação eleitoral, acompanha de perto o aumento na preocupação dos candidatos, mas vê o fenômeno com um olhar diferente. “Há muita criação de perfil falso para atacar candidatos”, diz. Ele ressalva que, com o maior acesso à rede mundial de computadores, “muitas pessoas, até por paixão, acabam escrevendo ataques injustos”. “Nas emissoras de TV e rádio havia um limite mais apertado. Esse terreno de liberdade na rede social e no YouTube, muitas vezes com um humor que vai além dos limites, está em construção e vai ainda ter de ser definido”, pondera Eduardo Muylaert, professor associado da FGV-RIO e ex-juiz efetivo no Tribunal Regional Eleitoral.
Ao contrário de Rollo e Reis, Muylaert não prevê um grande incremento no número de processos em 2016, mas lembra que a minirreforma eleitoral, aprovada pelo Congresso em setembro, pode contribuir para o aumento no número de ações pedindo retirada de conteúdo. “Como as novas regras permitem uma maior exposição dos candidatos antes do início oficial das eleições, o político vai aparecer mais, o que deve motivar mais pedidos de retirada de conteúdo, mais processos”, detalha Rollo.
O Ctrl+X é uma plataforma de visualização de dados sobre ações judiciais para remover notícias e posts da internet, lançada em junho de 2015. Produzido com financiamento do Google, uma expansão do Eleição Transparente, projeto de 2014 da Abraji que mapeou processos relacionados ao período eleitoral. A nova ferramenta amplia esse escopo incluindo todo o tipo de ação judicial que pretenda retirar conteúdo da internet.
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